sábado, 24 de março de 2012

As mulheres e o Heavy Metal: EUA

     Na primeira metade da década de 1980, podem ser reconhecidos basicamente três pólos principais quanto ao envolvimento e importância em relação ao Heavy Metal, que são eles Inglaterra, Alemanha e EUA. Nas postagens anteriores já foram abordadas as bandas provenientes destes países europeus, sendo que no presente artigo o enfoque será dado a contribuição por parte das bandas norte-americanas.
    Apesar de não ter alcançado o mesmo nível de popularidade do Warlock e Girlschool, o Bitch, creditada como a primeira banda de Heavy Metal norte-americana a contar com uma integrante do sexo feminino, foi também importante. Um fato curioso é que essa foi a primeira banda a assinar um contrato com o lendário selo Metal Blade, responsável por revelar nomes como Metallica, Slayer e Armored Saint, entre outros. Esse contrato garantiu a aparição da banda na antológica coletânea Metal Massacre, com a faixa "Live For The Whip", em 1982, que contava também com Metallica, Ratt e Cirith Ungol. A vocalista, Betsy Weiss, ou Betsy Bitch, como ficou conhecida, tinha um visual e performance bem peculiares, que remetiam ao sadomasoquismo, e lembravam bastante Alice Cooper e Rob Halford, e por causa disso, chegou a ser "vítima" do PMRC (Parental Music Resource Center). O lançamento do primeiro álbum, Be My Slave (1983), permitiu que o grupo por diversas vezes dividisse o palco com nomes como WASP e Armored Saint. O grupo chegou a lançar mais um álbum, The Bitch Is Back (1987), e após o EP A Rose By Any Other Name (1989) a banda encerrou as atividades. Entretanto, em 2011, Betsy anunciou o retorno da banda.

Capa do álbum Be My Slave (1983), onde fica bem evidente o visual adotado pela vocalista Betsy Bitch.

    O Bitch foi marco-zero da participação feminina na música pesada norte-americana, mas não foi a única banda a contar com as mulheres. Pelos idos de 1984, o jovem David T. Chastain chamava atenção com sua habilidade como guitarrista e deu início ao Chastain, cujas atividades matinha em paralelo a outro grupo, o CJSS. Tentando se destacar em relação às demais bandas dessa época, ele vislumbrou a ideia de trazer uma mulher para assumir os vocais da banda, posto que viria a ser ocupado por Leather Leone. Leather Leone gravou cinco álbuns com o Chastain: Mistery of Illusion (1985), Ruler Of The Wasteland (1986), The 7th Of Never (1987), The Voice of the Cult (1988) e For Those Who Dare (1990), cujo clipe gravado para a faixa-título chegou a ser divulgado pelo MTV Headbangers Ball. A banda retornou alguns anos após esse último lançamento, contando com Kate French para o posto de Leather Leone, a qual ainda está à frente do Chastain. Ainda que não tenha atingido o sucesso e reconhecimento do Girlschool e Warlock, o Chastain foi outro grande nome na divulgação e consolidação das mulheres dentro do Heavy Metal. 

Chastain, na época da vocalista Leather Leone.

    Há ainda outros exemplos, de menor magnitude no Heavy Metal dos EUA, como é o caso do Blacklace, que foi liderado por Maryann Scandiffio e chegou a gravar Unlaced (1984), que foi relançado como Skull 8348, e Get It While It's Hot (1985). Em 1985 era formado o Meanstreak, que viria a lançar o full-lenght Roadkill (1988). Um fato curioso sobre as integrantes do Meanstreak é que Rena Sands (guitarra) e Lisa Pace (baixo) são casadas com John Petrucci e John Myung, guitarrista e baixista do Dream Theater, respectivamente, e Marlene Apuzzo (guitarra) é casada com o ex-baterista do Dream Theater, Mike Portnoy. Outro exemplo é o Znöwhite, que teve em seus primeiros anos a vocalista Nicole Lee, responsável por todas as gravações do grupo, mas que infelizmente ficou limitado ao underground. Já o Phantom Blue, gravou o seu primeiro álbum, Phamtom Blue (1989) com co-produção de Marty Freidman, lendário guitarrista do Megadeth, e assim como o Girlschool, contou com a ajuda de um nome de peso na cena musical da Califórnia, que no caso foi Don Dokken e com isso conseguiram um contrato com um novo selo, o que permitiu a gravação de Build To Perform (1993). Mas após um período de instabilidade, a banda decidiu por encerrar suas atividades.

Meanstreak, na segunda metade da década de 1980.
Arte da capa do primeiro álbum (homônimo, 1989) do Phantom Blue.
   A participação feminina no meio metálico não ficaria restrita apenas àquele som mais tradicional, mas acompanharia as drásticas mudanças que levariam às vertentes mais extremas do Heavy Metal, como o Thrash Metal e Death Metal, e é disso que iremos tratar na próxima postagem.

domingo, 18 de março de 2012

As mulheres e o Heavy Metal: as pioneiras

    Tão logo teve início a década de 1980, o Heavy Metal se viu revigorado com inúmeras novas bandas, período esse que ficou conhecido como New Wave Of British Heavy Metal, NWOBHM. Com essa safra de novos grupos, vieram também mulheres com o intuito de contribuir para essa revitalização e consolidação da música pesada.
    O primeiro grupo com participação feminina a atingir certo nível de reconhecimento nesse período foi o Girlschool, uma versão metálica do The Runaways, salvo as devidas proporções, já que as semelhanças acabam no fato de que ambos os grupos contavam apenas com mulheres em seus line-ups. O Girlschool surgiu em 1978, das cinzas de uma antiga banda chamada Painted Lady, que contava com Kim McAuliffe, guitarrista e vocalista, e Dinah 'Enid' Williams, baixista, que se eram colegas de escola. Após o fim dessa primeira empreitada musical, recrutaram Denise Dufort (irmã de Dave Dufort, que participou do Angel Witch e Tytan) para assumir a bateria e a guitarrista Kelly Johnson e assim tinha início o Girlschool. Com a gravação da demo Demo 1978 e o single Take It All Away (1979), o som das garotas chamou a atenção de Lemmy Kilmister, eterno líder do Motörhead, que se tornou uma espécie de padrinho da banda, tanto que em 1979 foram elas que abriram parte dos shows da turnê de divulgação de Overkill (1979). No meio de 1980, foi lançado o álbum Demolition, graças a um contrato viabilizado por Lemmy, que trazia "Emergency" e "Race With the Devil" (cover do The Gun, que foi gravado também pelo Judas Priest). A parceria com o Motörhead deu tão certo que foi gravado um EP das duas bandas em conjunto, St. Valentine's Day Massacre (1981), sendo que essa união é por vezes conhecida por Headgirl. Em seguida a banda gravou Hit And Run (1981) e Screaming Blue Murder (1982), sendo banda de abertura de nomes como Black Sabbath, Rainbow, Iron Maiden, e outras. 

As garotas do Girlschool em 1980: consideradas as primeiras mulheres do Heavy Metal

    Com as gravações acima e participações ao lado de grandes nomes do Hard Rock e Heavy Metal, o Girlschool seguiu a trilha de outras bandas inglesas rumo aos EUA, que era a maior "vitrine" musical do mundo à época. Com isso vieram drásticas mudanças na sonoridade do grupo, uma vez que o mercado fonográfico norte-americano estava mais voltado para o que viria a ser denominado Glam Metal. E para não perder a viagem, literalmente, as garotas tentaram se encaixar nesse panorama musical. E com isso veio Play Dirty (1894), que já não teve a repercussão esperada. Após a  saída de Kelly Johnson, a banda gravou Running Wild (1985), que foi um grande fracasso comercial. Com isso se dava o fim do sonho das garotas em se tornarem grandes nomes do Heavy Metal, fazendo com que retornassem ao status de banda underground, como estão até hoje. Contudo, a importância e o pioneirismo do Girlschool não foram esquecidos e serviram de grande incentivo para aquelas que ainda iriam trilhar o caminho do Heavy Metal. 

Girlschool em 1984: as mudanças musicas vieram também acompanhadas por mudanças no visual, a fim de atingir o mercado norte-americano.

    Durante o período da NWOBHM surgiu também o Rock Goddess, que a exemplo do Girlschool, também era formada somente por mulheres, mas não chegou a ser tão expressiva quanto esta última, em parte por ter surgido na mesma época e não ter tido a "sorte" que as garotas do Girlschool tiveram, como o contato com Lemmy. Vale salientar que mesmo para o Girlschool, o início não foi um mar de rosas, e elas enfrentaram muita resistência, até mesmo dos outros integrantes do Motörhead. Ainda que praticamente restrita ao underground, O Rock Goddess é uma banda relevante em termos de participação feminina no Heavy Metal, numa época onde o acesso das mulheres à esse gênero musical era extremamente difícil. O Rock Goddess foi formado pelas irmãs Jody (guitarrista e vocalista) e Julie Turner (baterista) em 1977, cujo pai era dono de uma loja de artigos musicais. Com a gravação do single Heavy Metal Rock'n'Roll (1982), foram convidadas a participar do Reading Festival de 1982, e conseguiram um contrato para a gravação do álbum Rock Goddess (1983), com a baixista Tracey Lamb, que logo deixaria a banda, que contaria com Dee O'Malley, que gravaria Hell Hath No Fury (1983) e Young and Free (1987). Em 1987, devido a falta de um contrato com alguma gravadora, a banda deu fim às suas atividades, ainda com algumas tentativas de retorno.

Rock Goddess em 1983.

    Entretanto, o ponto alto da participação feminina na década de 1980 ainda estava por vir. Em 1983, em Dusseldorf, Alemanha, surgia o Warlock, que tinha como vocalista Dorothee Pesch, conhecida por Doro Pesch, além de Peter Szigeti (guitarra), Rudy Graf (guitarra), Michael Eurich (bateria) e Frank Rittel (baixo). Após um período tocando em pequenas casas e clubes da região e com a gravação de uma demo (Demo 1983), a banda conseguiu um contrato com o selo Mausoleum, o que permitiu a gravação do debut Burning the Witches (1984). O sucessor, Hellbound (1985), trazia alguns elementos de Hard Rock, o que não foi de modo algum prejudicial à sonoridade típica do grupo e permitiu uma turnê por parte da Europa. A partir de então, a banda sofreu mudanças constantes, sendo que Doro foi o único integrante a permanacer o tempo todo com o Warlock. Nesta época, Rudy Graf deu lugar a Niko Arvanitis. 

Warlock em 1986.

   Essa nova formação gravou o terceiro álbum, True As Steel (1986), que levou o grupo ao festival Monsters of Rock, onde naquele ano passaram nomes com Scorpions e Def Leppard e também abriu as portas para o grupo nos EUA, reconhecimento devido principalmente ao single "Fight For Rock". O que se sucedeu foram mais mudanças na formação, com a substituição de Frank Rittel e Peter Szigeti por Tommy Bolan e Tommy Henriksen, respectivamente. E foi esse o line-up responsável pela gravação do quarto e último álbum do Warlock, Triumph And Agony (1987), que foi também aquele a atingir maior sucesso, alavancado principalmente pelo single "All We Are", cujo clipe foi bastante transmitido pela MTV. Após a turnê de divulgação de Triumph And Agony, surgiram diversos problemas devidos aos direitos relacionados ao nome Warlock. É conhecido que a banda tinha o quinto álbum já gravado, que já tinha até um título, Force Majeure, mas devido a estes problemas, este álbum foi lançado com o nome de Doro, e não mais do Warlock. E com isso se deu o início da carreira solo daquela que muitos clamam como a Rainha do Metal, que perdura até hoje e é sem dúvida a maior inspiração para as mulheres que sentem o Heavy Metal correndo em suas veias.

Capa de Force Majeure (1989): primeiro registro da carreira solo de Doro, porém gravado sob o nome Warlock.
  
    Os nomes mais expressivos da década de 1980, em termos da presença feminina no Heavy Metal, vieram do velho continente, como visto acima. Entretanto, os EUA também teriam suas representantes. Além disso, com a evolução deste gênero, em termos de peso e velocidade, vieram também outras mulheres com o intuito de levantar a bandeira do Heavy Metal, o que será explorado na próxima postagem.
  

segunda-feira, 12 de março de 2012

As mulheres e o Heavy Metal: as precursoras

      O Heavy Metal se tornou ao longo dos anos, perante o senso comum, um estilo musical extremamente machista, além de outras "qualidades" altamente difundidas, em parte devido aos meios de comunicação, e que são em sua maioria resultado de mal intepretação ou puro preconceito. Pelo fato de o Heavy Metal preconizar temáticas que usualmente vão contra os valores pré-estabelecidos pela sociedade em geral, e que normalmente são abordados de uma forma agressiva, seja do ponto de vista musical ou no conteúdo das letras, se tornou um gênero musical que não combinava com o que era proposto como a natureza feminina, em essência o "sexo frágil", segundo os padrões sociais vigentes, predominantemente machistas. Mas, contrariando todos os prognósticos, nos dias de hoje é relativamente fácil encontrar mulheres envolvidas com o Heavy Metal (felizmente!), o que ocorreu conforme se deu uma maior divulgação e quebra de alguns paradigmas, ou mitos, relacionados ao Heavy Metal ao longo dos anos, e que atingiu o seu ponto alto com a avalanche de grupos de Gothic Metal na última década, liderado principalmente pelo Nightwish. Entretanto, a caminhada das mulheres dentro da música pesada remonta aos anos 1960, quando pela primeira vez se viu uma mulher entre os gigantes desse meio sempre taxado por ser exclusividade dos homens.

Nightwish na época de Tarja Turunen: apesar de bem sucedida comercialmente, é só a ponta do iceberg em termos de inclusão das mulheres no Heavy Metal.
       O primeiro passo para a inserção das mulheres no Rock foi dado por Janis Joplin. A carreira de Janis Joplin se deu no período que o Rock passava por suas primeiras transformações, se distanciando da fórmula que imortalizou nomes como Elvis Presley, Chuck Berry, Roy Orbison, entre outros. Janis trouxe muita influência do Blues e do Folk para a sua música, o que a colocou na vanguarda de sua época. Teve seu início musical, a nível profissional, quando integrou um grupo de São Francisco chamado Big Brother and the Holding Company, uma das bandas precursoras do movimento hippie. Nessa época, Janis já era conhecida pelo seu envolvimento com álcool e drogas pesadas, como anfetaminas e heroína. Mas foi em carreira solo, a frente de um grupo por ela batizado Kozmic Blues Band que Janis atingiu o estrelato, se apresentando em diversos programas de TV, o que lhe garantiu grande popularidade. Mas o ápice da carreira de Janis Joplin veio com a apresentação no Woodstock Music & Art Fair, ou Woodstock, o lendário festival de 1969. No início de 1970, Janis deu início a um novo grupo, Full Tilt Boogie Band, com o qual chegou a tocar ao lado do Grateful Dead. Entretanto, a escalada na carreira de Janis foi acompanhada com o consumo cada vez maior de entorpecentes, sendo que no dia 4 de Outubro de 1970, após um atraso em um dos ensaios do Full Tilt Boogie Band, o produtor à época a encontrou morta, devido a uma overdose de heroína, que se acredita ter ocorrido em combinação com altas doses de álcool. Ainda que tenha morrido jovem, aos 27 anos, a carreira de Janis Joplin foi mais do suficiente para que fossem abertas as portas para as mulheres no meio do Rock.

Janis Joplin em 1969, no festival Woodstock.
       A exemplo de Janis Joplin, outras mulheres também lutaram pelo seu espaço dentro do Rock, ainda que não tenham conseguindo o mesmo nível de reconhecimento. O Jefferson Airplane, estabelecido em São Francisco, também conseguiu atingir certo patamar de popularidade quando teve Grace Slick como vocalista. Grace trouxe duas composições a serem gravadas no álbum Surrealistic Pillow (1967), as quais foram intituladas "Somebody To Love" e "White Rabbit". Coincidência ou não, foram os dois maiores sucessos da carreira do Jefferson Airplane, e figuram na lista "500 Greatest Songs of All Time" publicada pela Rolling Stone. O auge do Jefferson Airplane se deu durante o período que teve Grace como vocalista, o que se mostrou um incentivo para uma maior participação feminina dentro no universo do Rock. O Fleetwood Mac, que foi um fenômeno na década de 1970 contava com Christine McVie como tecladista. Sua participação sempre foi expressiva dentro do grupo, contribuindo com composições entre as mais importantes dos emblemáticos álbuns Fleetwood Mac (1975) e Rumours (1977), que atingiu o topo das paradas norte-americanas e chegou a receber o Grammy naquele ano. Outra mulher que foi símbolo da escalada feminina dentro do Rock foi Suzi Quatro, cujos álbuns, principalmente aqueles gravados durante o início dos anos 1970, conseguiriam atingir vendagens expressivas na Europa e Austrália. 

Grace Slick em 1969: uma das responsáveis pelo sucesso do Jefferson Airplane.

Suzi Quatro em 1973, umas das embaixadoras britânicas das mulheres no Rock.
  
        Mas contribuição mais direta do que as listadas acima seria dada pelo The Runaways, primeira banda de Rock formada apenas por mulheres a atingir um nível significativo de reconhecimento. O grupo foi idealizado por Joan Jett, guitarrista, no fim de 1975 e contava inicialmente com Sandy West na bateria e Micki Steele como baixista e vocalista. Em 1976 o grupo recrutou Lita Ford, apresentando assim duas guitarristas. Com a expulsão de Steele, a banda trouxe Cherrie Currie e Jackie Fox, para os vocais e baixo, respectivamente. Neste mesmo ano o The Runaways gravou o seu primeiro álbum, autointitulado, e abriu shows de bandas como Cheap Trick e Van Halen. Com o segundo álbum, Queens Of The Noise (1977), a banda conseguiu reconhecimento a nível mundial, mas começava a se distanciar do Hard Rock e se aproximar do Punk Rock que surgia na época. A turnê mundial desse álbum levou ao primeiro ao vivo, Live in Japan (1977). A banda teve a saída de Cherrie Currie, com a posterior gravação de um novo álbum, Waitin' For The Night (1978). Entretanto, pouco tempo depois da gravação do próximo álbum, And Now... The Runaways (1978), o grupo se desfez devido principalmente a problemas financeiros e relacionados ao gerenciamento da banda. Contudo, o legado do The Runaways ficou para a história e teve grande impacto sobre as mulheres que ainda iriam trilhar o caminho do Heavy Metal. Vale lembrar que Lita Ford e Joan Jett tiveram carreiras solo bem prolíficas, principalmente ao longo da década seguinte.

As garotas do The Runaways em 1976: talvez o maior incentivo a presença das mulheres no Heavy Metal.
    As bandas e artistas acima foram aquelas que tiveram maior impacto direto na inclusão das mulheres na música pesada e foram de vital importância para a entrada das mulheres no terreno mais extremo da música naquele momento: o Heavy Metal, o que viria a acontecer tão logo desse início a década de 1980, com o revival do estilo, conhecido como NWOBHM, que será discutido na próxima postagem.
               

domingo, 4 de março de 2012

A Intersecção Hard Rock / Heavy Metal (Parte III)


     A década de 1980 trouxe transformações drásticas em todos os aspectos do universo musical. Nessa época a aliança entre o Heavy Metal e o Hard Rock estava cada vez mais consolidada, prova disso foi a ascensão do Quiet Riot, que mostrou que esses estilos poderiam ser populares, e consequentemente, poderiam ter potencial mercadológico.
    As mudanças no cenário musical foram tão profundas nesse período, que nem o KISS, um dos pilares do Hard Rock, saiu ileso em meio ao sucesso da união do estilo que os consagrou com o Heavy Metal. Com a saída de Ace Frehley e Peter Criss, as decisões eram tomadas única e exclusivamente por Gene Simmons e Paul Stanley, aos quais o aspecto financeiro sempre falou alto. E com isso, o grupo deu início a uma fase bastante influenciada pelo Heavy Metal, em união ao Hard Rock de sempre, que foi o guia da sonoridade dos álbuns do quarteto mascarado na década 1980, que por sinal deixou as pinturas de lado.

Capa do álbum Lick It Up (1983): as mudanças desse período não se limitaram a esfera musical.

    Por falar em KISS, na década de 1970, Jay Jay French fez um teste para ser guitarrista do grupo, mas não foi bem sucedido, e resolveu montar a sua própria banda, o Twisted Sister, em 1972.  Nos primeiros anos, a banda teve um direcionamento ditado pelo Hard Rock da época, mas com a entrada de um novo vocalista, Dee Snider, em 1976, a banda passou por uma mudança irreversível em sua sonoridade. Dee Snider tinha uma base musical alicerçada no Heavy Metal, e esteve sempre ligado nas bandas que surgiram sob essa vertente, notadamente durante a NWOBHM, trazendo boa parte do que ouvia para o Hard Rock do Twisted Sister. Os dois primeiros álbuns, ainda que muito bons, ainda não davam frutos, comercialmente falando. Mas a sorte estava a ponto de mudar com o lançamento de Stay Hungry (1984). Com ele a banda atingiu o reconhecimento que procurava há quase 10 anos, com as faixas "We’re Not Gonna Take It" e "I Wanna Rock", para as quais foram também gravados clipes, transmitidos à exaustão. A popularidade do Twisted Sister foi tamanha que Dee Snider chegou a gravar um comercial convocando os jovens norte-americanos a se alistaram nas forças armadas deste país.

Twisted Sister em 1984 no auge de sua popularidade, mérito dos singles We're Not Gonna Take It e I Wanna Rock

     Em meio à efervescência da fusão Hard Rock / Heavy Metal, teve nascimento a MTV, que deve muito de sua sobrevivência e crescimento principalmente a esses dois estilos. O lançamento do clipe "Home Sweet Home" do Motley Crue, ainda nos primórdios da emissora, fez tamanho sucesso que ficou por vários meses como sendo o clipe mais exibido na grade de programação, o que fez com que dirigentes estabelecessem um limite de tempo semanal  dedicado ao Mötley Crüe, que ficou conhecido como Crüe Rule, o que é mais uma evidência do sucesso atingido pelo Hard Rock e Heavy Metal neste período.
    Mas o maior integrante dessa nova safra de bandas norte-americanas ainda estava por vir. Em 1987 o Guns'n'Roses trazia ao público o álbum "Appetite For Destruction", com alguns dos maiores clássicos não só do híbrido Hard Rock / Heavy Metal, como do Rock em geral, entre os quais "Welcome To The Jungle", "Paradise City" e o maior sucesso de Axl, Slash e cia, "Sweet Child O’Mine". Prova da popularidade do Guns'n'Roses foi encabeçar a trilha sonora do filme Exterminador do Futuro 2, com o sucesso "You Could Be Mine", de Use Your Illusion I e II, que emplacou também "Don’t Cry" e cover de “Knockin’ On Heaven’s Door”, de Bob Dylan.

Formação clássica do Guns'n'Roses, sendo ela responsável por seus álbuns mais expressivos.
 
    Em 1984, o Def Leppard viu o seu baterista Rick Allen perder um dos braços em um acidente, o que fez com que o "Leopardo Surdo" fosse dado como morto. Porém, mostrando um nível louvável de superação, Rick Allen voltou às baquetas do Def Leppard, com um instrumento adaptado, e em parte graças ao sucesso de High'n'Dry (1981) e Pyromania (1983) na América, a banda atingiu o topo das paradas em 1987 com o Hysteria, o maior sucesso, do ponto de vista comercial, do quinteto de Sheffield. Esse álbum, que teve como os maiores responsáveis por esse sucesso os singles "Women", "Love Bites" e "Pour Some Sugar On Me” deixa claro que o Def Leppard havia se tornado um típico grupo de Hard Rock / Heavy Metal da época. Assim, este movimento era liderado basicamente por Mötley Crüe, Def Leppard e Guns'n'Roses.

Arte de Hysteria (1987), o álbum que levaria o Def Leppard ao topo das paradas norte-americanas.

     Se aproximando do fim da década de 1980, surgiu o último gigante do misto entre Hard Rock e Heavy Metal, o Skid Row. As baladas do Skid Row eram certeiras em termos de sucesso comercial, e não é a toa que a banda tem como maiores sucessos "18 and Life" e "I Remember You", do primeiro álbum, Skid Row (1989), que atingiu as primeiras posições nas paradas americanas, que trazia também parte da sonoridade do Glam Metal. Vale lembrar que o Glam Metal, ou Hair Metal, não é muito bem definido, sendo que por várias vezes Guns'n'Roses, Def Leppard e o próprio Skid Row chegaram a ser englobados nessa categoria. Com Slave to the Grind (1990), a banda apostou alto no peso do Heavy Metal, e só conseguiu emplacar a balada "In a Darkened Room", e com certa expressão, a faixa "Monkey Business", mas que não teve o mesmo êxito do álbum anterior, e já dava indícios que o mercado não estaria mais acessível a esse tipo de sonoridade, daquele momento em diante.

Skid Row, à época do lançamento de seu primeiro álbum, homônimo (Skid Row, 1989).

     A partir da segunda metade da década de 1980 surgiram inúmeras bandas inspiradas pelo Hard Rock / Heavy Metal. Para citar algumas delas, temos o Warrant, que ficou chegou a obter certo reconhecimento, devido principalmente ao single "Cherry Pie" (1990). O Europe, que apesar de proveniente da Suécia, guardava certa semelhança musical com as bandas americanas, e em 1986 ficou imortalizado com o álbum e a faixa "The Final Countdown". O Canadá contou com algumas bandas nesse cenário, sendo que a maior contribuição veio do Triumph, Loverboy e Firehouse. E outras ainda ajudaram a aumentar esse movimento, como o Great White, Extreme, Autograph, Tesla, e muitas outras.

Capa de The Final Countdown (1986), cuja faixa-titulo foi um dos mais emblemáticos hits dessa época.

    Com a virada da década de 1990, o Hard Rock, o Heavy Metal e todos os seus descendentes diretos estavam com os dias contados em relação ao mercado fonográfico. O início da nova década marcou o surgimento do Grunge, prontamente apoiado pelas grandes gravadoras da época e pela MTV, que tiraram as vertentes mais pesadas do Rock do meio popular, com exceção de alguns poucos casos, como o Metallica, que mesmo nesse meio conturbado lançou o multiplatinado "Metallica" (1991), mais conhecido como Black Album, mas que evidentemente não era mais o Thrash Metal de outrora. A partir de então, com exceção de casos pontuais, como o ressurgimento do Guns'n'Roses e suas apresentações de grande porte, a intersecção Hard Rock / Heavy Metal nunca mais conseguiu repetir os feitos de sua época de ouro.